Num mundo onde todos querem falar, saber
ouvir é um dom. Paulo Mazarem
Podemos
dizer que escutar o outro é uma atividade que demanda alteridade[1].
Uma vez que a escuta é quase rara em nossos dias, e onde podemos dizer que
quase ninguém mais quer ouvir ninguém, por isso, saber ouvir é um dom.
Embora,
as pessoas desconheçam a filosofia de Descartes, (o que não anula a sua existência, nem seu
modus operandi) elas vivem sem saber dominadas por ela. Sem generalizações, o homem ocidental é um ser que combate outro ser, por considerar um ser que em nada é diferente dele em um não ser. E é exatamente nessa ontologia que sustentamos o Cogito Ergo Sum e abatemos todo modelo que não se encaixe a este paradigma. Uma vez que o penso, logo existo, oculta um Eu que pensa. Então a questão é quem é este ser pensante, de onde ele fala, como fala, e para quem fala.
Daí,
o por que de minha reflexão, por que esta filosofia reina em nossa sociedade e
cultura, desconhecemos filosofias, que ainda são absorvidas e invisibilizadas (como
a de Bakthim, Lévinas, Buber) pelo
modelo hegemônico Cartesiano.
Com
isto quero dizer que nossa concepção de mundo é sempre nossa, isto é, de nosso
ego, de um “Eu” que se encontra sempre “entocado” em si mesmo e de lá não sai.
E
é por este motivo, que analisamos tudo a partir do nosso olhar, do nosso eu, e
nunca a partir da exotopia[3] e
alteridade. Talvez seja por essa razão que precisamos olhar não para nós, mas
para o outro a fim de percebê-lo, desinvisibilizá-lo e escutá-lo.
E
aqui está o leitmotiv de minha
reflexão, por que até nesse processo de escuta, está o nosso ego querendo se
impor sobre os demais egos.
Logo,
essa ausência de alteridade e exotopia, Uma amostra clara do quanto falta-nos empatia
auditiva.
Então
lhe pergunto, como escutar o outro sem sair do lugar em que estamos ou sem esta
tentativa de se colocar em seu lugar?
Vou
ilustrar-lhes melhor o que quero dizer. Esses tempos atrás, fiquei encantado
com a fala do fotógrafo Sebastião Salgado no programa Roda Viva, quando ele na tentativa de procurar uma
posição para fotografar Harriet (1830-2006), a senhora tartaruga, que testemunhou a chegada de Charler Darwin (o pai do
evolucionismo), na
ilha de Galápagos-Equador, não encontrava uma posição que lhe permitisse
capturar uma imagem digna de apreciação estética. Ele
diz, não havia ângulo, nem enquadramento possível, tentava e tentava e nada. Foi
então, que tive um insight (disse
ele), o de me colocar na mesma posição que ela (Harriet), isto é, de me igualar a ela. Quando fiz isso (disse
ele), ela me deu as melhores imagens que
eu já fiz em toda a minha vida. Era exatamente isso que faltava, simetria.
Eureca,
é isso. Falta-nos simetria antropológica nos encontros familiares, nas relações
sociais, nos ajuntamentos religiosos (eclesiásticos), nas redes de ensino
(escolas), faculdades e universidades. Nossa
herança Cartesiana, tem custado caro aos relacionamentos. Somos narcísicos,
egocêntricos, etc...
Eis
a questão! Então eu penso que o grande desafio é sair de si mesmo, e sair de si
mesmo é um movimento anti-narcísico.
Como
insiste o historiador Leandro Karnal, Gente Narcisista não
conversa, eu diria o contrário, gente narcisista conversa, mas não dialoga. Por
que dialogar pressupõe transcendência. E esse transcender é sempre uma sobre
posição de si mesmo em direção a interação relacional e comunicacional com o
outro. Logo, o narcisista conversa, mas conversa sempre consigo e nunca com
outro. Portanto, gente narcisista não dialoga, nem escuta!
[1] Alteridade é o deslocamento do eu de
si em direção do outro, é quando você enxerga o outro a partir dos seus olhos e
não de sí mesmo. Logo, alteridade é o maior desafio antropológico da terra.
Para os neurocientistas isso é utópico, porém para o filósofo Emanuel Lévinas,
esse é um sonho possível de tornar-se realidade.
[2] Ser cartesiano é pensar o mundo, a
partir do “cogito ergo sum” (penso, logo existo). E este ser pensante é sempre
ocultado por um “Eu” que não aparece no processo do pensar. Um “Eu” que se mostra todo-suficiente e
independente em relação aos outros, um Eu etnocêntrico que invisibiliza e
exotiza tudo aquilo que está fora de seu dominio cultural.
[3] Para Bakhtin, exotopia, diz respeito
ao processo envolvido nas relações humanas, na criação estética ou na pesquisa
científica na área de ciências humanas segundo o qual procuro me colocar no
lugar do outro, compreender como a partir de
sua visão que é única ele se coloca em relação ao mundo, para, depois, retornar
a minha posição, acrescida da experiência do outro, mas acrescentando ao outro
o que ele não vê, pois é como o vejo ao fim do percurso que lhe dá uma visão
que ele de si não tem. Se sou eu que finalizo, dou uma visão
acabada ao outro, inversamente, é o outro que pode dar-me o acabamento,
situar-me de meu lugar no mundo também, num processo de trocas recíprocas e mutuamente esclarecedoras. E é ele que me dá o que somente sua posição permite ver e entender. Ora, um dos elementos
fundamentais da exotopia é o excedente
de visão: “quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente,
nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois,
não coincidem” (1997, p.43). Um dos observadores percebe, obviamente, no outro,
a partir do seu excedente de visão, coisas que só ele pode perceber – pelo
lugar que é o único a ocupar (e pelo sentido único) – e que são inacessíveis ao
outro (outra cultura).
Comentários
Postar um comentário